sexta-feira, 3 de junho de 2011

Como a percepção equivocada dos ciclos de mercado e a atividade especulativa potencializam o risco de bolha no mercado de pequenos escritórios

1. Os preços dos imóveis nos grandes mercados brasileiros estão na pauta das apreensões de muitos analistas e a questão emergente é "estamos imersos numa bolha imobiliária, na qual o mercado pratica preços acima do razoável, cuja redundância será uma quebra de preços adiante, provocando prejuízos generalizados?".

Mercados indisciplinados tendem a apresentar movimentos perigosos de desajuste de preços: ciclos nos quais o valor percebido pelos investidores está acima do que é o preço razoável de ser aplicado na oferta, denotando especulação

Neste artigo, réplica da Carta 22-10 do Núcleo de Real Estate da Poli (www.realestate.br), trato de uma parte do assunto, fazendo reflexões sobre o comportamento do mercado de escritórios compartilhados para renda.

Os empreendimentos para renda podem ser desde shopping centers, hotéis, edifícios de grandes lajes corporativas, imóveis industriais, depósitos e galpões, imóveis built to suit, até mesmo hospitais e imóveis para outros usos especiais. Esse conjunto é representado por alternativas de montante elevado de investimento, destinando-se, portanto, a investidores qualificados para avaliar um negócio ancorado num imóvel, que não compreende somente arbitrar valor, mas qualificar a oportunidade em si com o desenho de cenários complexos de comportamento para viger horizontes muito longos, imersos nos quais vai viver o investimento.

Os grandes investimentos não estão no espectro das considerações deste artigo, ainda que devam ser avaliados sob o mesmo prisma descrito. Preocupa- -me a aplicação de recursos de poupança de investidores de médio porte - de capacidade para investir na laje até a sala de tantos edifícios de escritórios (offices!) como se vê ora ofertados no mercado, seja em grandes metrópoles, como em cidades de mercados muito menos expressivos.

Duas premissas devem ser enunciadas para apoiar a análise do assunto:

 i) como o mercado valoriza os imóveis e;

ii) quais são os fatores que distorcem o equilíbrio do mercado, provocando desajuste de preços.

Identificação de valor em um mercado equilibrado

2. No confronto do mercado (compradores de imóveis x empreendedores), de um lado os empreendedores oferecem produtos marcados por um binômio (atributos; preço), que o mercado deve ler sob as referências de qualidade e valor.

Quando um empreendedor desenha um produto para o usuário final:

- Identifica os atributos adequados para o empreendimento, levando em conta o estado do mercado e a sua visão sobre a competitividade que deseja ver embarcada no empreendimento, que usará como referencial de qualidade para expor seu produto;

- Formula o preço adequado para o produto e apresenta a oferta sob o binômio (atributos; preço).

O preço adequado para a oferta será o atrativo para o empreendedor. Na sua formulação, leva em conta os custos e as margens para cobertura de riscos (custos, inflação, atrasos, velocidade de vendas), concebe o sistema de funding para desenvolver o empreendimento e mede os investimentos exigidos, sob risco. Impõe, comparando essa oportunidade de investimento com alternativas disponíveis, qual será a renda atrativa para esses investimentos e define o preço desejado.

Coteja esse preço desejado com a oferta competitiva e ajusta a renda atrativa ao que percebe como sendo possível de alcançar no mercado. Se a renda ajustada não apresentar atratividade, pode reespecificar o produto, alterando atributos, desde que o novo binômio (atributos; preço) se mostre competitivo. As margens para cobertura de riscos são invioláveis, a menos que sejam incorporados custos ao empreendimento para mitigar riscos. Modificar as margens de cobertura de riscos somente para ajustar preços é decidir diante de uma fantasia, usando viés otimista (!). O final deste procedimento é desistir, por não aceitar a qualidade aparente do empreendimento, ou ir avante.

Montada uma equação [(atributos; preço) + funding] o produto é ofertado para o comprador, quetem determinada capacidade de pagar, cuja leitura o empreendedor já fez ao desenhar o produto. Este comprador representa demanda, dentro de um conjunto de anseios e necessidades algo difusos. Anseios e necessidades não compõem um conjunto racionalmente estruturado, que o comprador tende a conceber analisando a oferta competitiva.

Reação do mercado diante da oferta

Quando o comprador julga a oferta do empreendedor, a sua reação é instruída pela formação de um binômio (qualidade; valor). Para o empreendedor, os atributos caracterizam custos e para o comprador esse mesmo conjunto compreende a qualidade percebida. Para o empreendedor, o preço é arbitrado seguindo raciocínio técnico, enquanto para o comprador, que não tem qualquer elemento de informação para seguir o mesmo roteiro da formação do preço atrativo, o julgamento é de valor, para comparar com o preço.

Para o comprador a questão a ser resolvida, na sua reação diante da oferta, é se a qualidade percebida, pela leitura dos atributos apresentados pela oferta, concede ao produto um valor equivalente ao preço.

O conteúdo do binômio (qualidade; valor), para ser confrontado com o binômio (atributos; preço) é composto por meio de comparação. Logo, sofre viés de julgamento, muitas vezes derivado de fatores vinculados ao processo de comercialização ou ainda emulados pela promoção. Por exemplo, a propaganda que enfatiza um atributo que afeta a emoção, mas não confere qualidade ao produto, pode desviar o foco da análise da qualidade por meio dos atributos mais relevantes, alguns deles não aparentes. O exemplo das unidades decoradas é flagrante, situação em que a atenção do comprador é desviada dos atributos mais importantes do produto para um "foco emocional" apresentando desde acabamentos diferenciados até os equipamentos da unidade, que não fazem parte dos atributos do produto.

O empreendedor faz uma análise técnica e chega ao preço, enquanto o comprador tende a fazer julgamento pela denominada "experience percebida", tão em voga atualmente são os conceitos de "experience economy" explorados nos diferentes segmentos dos mercados. O comprador só pode julgar a qualidade do produto e o valor associado fazendo um benchmark no mercado competitivo, contra o produto da oferta. Ainda assim, é natural que esse julgamento seja comprometido pela influência das forças de promoção vinculadas a cada produto usado para comparação, seja pela força implícita de cada propaganda, como pela ênfase eventual conferida a atributos que significam "falsos valores". Exemplo desta situação: quanto valor se agrega a um pequeno escritório se o projeto incluir espaço para uma biblioteca na área comum?

A conclusão da transação

3. O confronto (empreendedor x comprador-usuário) se equilibra quando o julgamento de (qualidade; valor) está ajustado com (atributos; preço). Ainda, a compra somente se consolida se o formato de pagamento do preço (parte em dinheiro + financiamento) se encaixar no perfil do comprador: i. parte em dinheiro coberta com a poupança acumulada e ii. condições do financiamento (prazo e juros) resultando numa prestação cuja pressão seja suportável pelo orçamento mensal do comprador. Havendo demanda, porque o produto cobre o espectro de necessidades e anseios do comprador, e validando-se as condições de pagamento do preço, segundo o poder de compra e endividamento do comprador, a transação pode ser concluída.

Fatores que distorcem o equilíbrio do mercado

4. Até aqui fiz uma descrição de como é o comportamento em um mercado equilibrado, no qual a intensidade da oferta preenche a demanda. Todavia, há fatores que podem impulsionar a demanda, no sentido de criar condições artificiais de mercado, comprometendo o seu equilíbrio. Eles são diversos e deles é que pode advir o que se convencionou chamar de bolha.

A análise histórica do comportamento dos mercados de real estate, segmentados por produto e por estrato geográfico, mostra que determinados impulsionadores de demanda têm criado configurações artificiais, cujo reflexo tem sido a marcação de preços acima do razoável, com prejuízos para os compradores.

Quando se considera o nosso objeto - o mercado de escritórios -, o comprador privilegiado não é o usuário. O comprador é investidor, na busca de fluxo de renda estável e de âncora de valor confiável para o seu investimento. Nesse caso, enfatizado neste artigo, o confronto de mercado tem desenho mais complexo e é agravado por acontecer em momentos diferentes, afastados de um intervalo longo. O mercado se caracteriza por:

i) comprar o imóvel para investir hoje;

ii) ocorrer um ciclo de implantação longo (três a quatro anos), no qual se faz o investimento e é um ciclo de renda zero;

iii) para iniciar a exposição ao mercado no final do ciclo, por um período longo (payback pode ocorrer de sete a dez anos), no qual o investidor se defronta com o mercado, ciclo no qual será feito o confronto entre (atributos; preço do aluguel) x (qualidade; valor do aluguel).

Ciclos do mercado e percepção de demanda

5. O investidor, que aplica poupança em salas de escritório para alugar, tende a fazer a leitura de mercado sob o viés de julgar a demanda no seu ciclo operacional, como sendo derivada da demanda percebida no momento do investimento. O especulador se aproveita disso.

Mercados indisciplinados como esse que, ainda que movimente posições de investimento de montante elevado e dotadas de pretensa proteção implícita de valor, tendem a apresentar movimentos perigosos de desajuste de preços: ciclos nos quais o valor percebido pelos investidores está acima do que é o preço razoável de ser aplicado na oferta, denotando especulação.

Podemos explorar como a leitura do valor dos aluguéis praticados numa certa conjuntura de crescimento econômico e com viés de demanda pode impor uma decisão de investimento inadequada, porque o investidor traça um cenário referencial de comportamento otimista, ou porque a isso ele é induzido pelos especuladores.

i) Num ciclo de expansão econômica, a demanda por espaços para atender ao crescimento das empresas esbarra na oferta limitada de escritórios. Admitindo que existam vazios, eles vão sendo ocupados sob pressão de demanda e os aluguéis crescem acima do patamar de equilíbrio.

3) é aquele no qual os aluguéis remuneram os investimentos no real estate numa taxa de retorno equilibrada com os riscos baixos do investimento, considerando as outras oportunidades que o investidor vislumbra na economia, dentro ou fora do setor do real estate.

ii) Na conjuntura do investimento, com viés de demanda, há desequilíbrio. Ou seja, como os aluguéis estão acima da configuração de equilíbrio, naquele momento a renda do investimento é alta, considerado o valor do imóvel. Mas isso é tópico e o que deve estar na mente do investidor é que as curvas A, B e C de evolução dos aluguéis são improváveis (não impossíveis!). Mesmo a curva C (cenário espelho de conjuntura favorável de I) é improvável, porque, ocorrendo, perenizaria a renda do investimento numa relação mais favorecida do que deve oferecer o risco comparado do real estate na economia.

Entretanto, percebe-se que decisões tomadas pelos investidores, ou induzidas por especuladores, computam a relação retorno/valor na conjuntura I, como se a renda se perenizasse na curva C, usando esse parâmetro como indicador da qualidade do investimento. Nessa situação e sob esse prisma incorreto de julgamento, se retorno/valor ilustra um indicador acima do que o risco do negócio denota, o valor passa a ser arbitrado com viés de alta, de modo a trazer o indicador para patamares reconhecidos como adequados para o segmento de mercado.

Exemplo: considera-se que, num Estado equilibrado no Brasil, a renda anual bruta de investimentos em escritórios se situe no patamar [9 ~ 11%] ano. Isso significa que a relação renda = aluguel/valor com 100% de taxa de ocupação, deverá estar nesse patamar. Havendo a percepção de que há déficit nos espaços de escritórios para atender à demanda (três a quatro anos para construir um empreendimento) os aluguéis sobem, de modo que, mantendo o valor, o indicador momentâneo será mais alto do que o patamar reconhecido pelo mercado. Continuando com o exemplo, se os aluguéis sobem 30% ao ano e os custos de construção (terrenos + custos de edificação e equipamentos) não sobem, a renda bruta subiria 30%. O especulador, traçando um cenário adiante (20 anos de operação) espelho da conjuntura do momento I, induz o investidor a voltar à renda bruta no intervalo [9 ~ 11%] ano, cobrando um preço 30% maior do que o valor. Este processo é recrudescido se admitirmos cenários marcados pelas expectativas das curva A (manutenção do gradiente de crescimento) ou da curva B (crescimento na linha de tendência). iii) Fazendo essa leitura de mercado, a oferta de investimento cresce e a demanda por escritórios também, porque se evidencia sua falta. Os preços podem crescer artificialmente, porque o "valor percebido", usando a curva C de evolução dos aluguéis (cenário referencial espelho) cresce. O empreendedor alavanca seus resultados e o investidor compra o risco do cenário otimista.

Na conjuntura II, quando o produto, enfim, vai disputar mercado, a oferta cresce sensivelmente, ocorrendo tendência de baixa dos aluguéis até o patamar de equilíbrio. Usando os números do exemplo, nesse momento a renda será renda = aluguel/(valor x 1,3), muito abaixo da taxa de atratividade setorial. O excesso de preço pago (0,3 x valor) nunca será recuperado (preço não é valor!). É o que se denomina "valor sem lastro", que sempre aparece nos ciclos especulativos de qualquer mercado. A esse título lembro o valor atribuído às empresas de real estate nos IPOs recentes e o que ocorreu a seguir.

Demanda e especulação

6. Outro indutor de especulação é a falta de indicadores sobre a demanda. No mercado de escritórios é possível medir vazios e velocidade de absorção da oferta, indicadores indiretos de cobertura da oferta pela demanda. Um baixo índice de vazios somado a uma elevada taxa de absorção indicam demanda em crescimento. Mas, no momento da medida, os investimentos deverão suprir a demanda a ser verificada três a quatro anos adiante.

É, de certa forma, possível medir a oferta em gestação (prédios em construção). É possível indicar qual seria a taxa de crescimento da demanda necessária para a ocupação dos espaços que serão entregues adiante. É possível fazer uma correlação entre a demanda necessária (e a taxa) e o "estado" da economia pelo PIB. Estudos do NRE-Poli mostram que há uma correlação muito evidenciada entre o andamento do PIB e a taxa de crescimento dos espaços ocupados de escritórios.

Todavia, não há indicadores no mercado publicados com a regularidade recomendável para que os investidores sejam capazes de entender se estão investindo para receber renda ou para fazer "estoque de vazios". Conhecemos a história perversa dos flats em São Paulo.

7. Se o mercado entrar desequilibrado na conjuntura II, sob pressão dos vazios e dos custos de manutenção da propriedade, os aluguéis vão cair. A queda vale para os espaços vazios e para os ocupados. Espaços ocupados com contratos em vigor, diante da evidência de que estão caros contra o estado do mercado, se transformam em vazios, porque contratos serão quebrados se não ajustados.

8. Custos crescentes de terrenos e construção empurram os preços para cima, mas não preços inadequados, porque resultam da estrutura de custos que se alterou. Se há uma questão estrutural, os aluguéis vão crescer, para repor a taxa de atratividade dos negócios no segmento do mercado.

O que se convenciona chamar de "bolha", que fica mais bem representado por "preços inadequados aos padrões de custos e comportamento do mercado", tem a imagem vinculada a crescimento artificial da demanda.

A demanda pode ser impulsionada por diferentes fatores, mas, no caso dos escritórios, a percepção de uma relação de aluguéis para os preços acima da atratividade, momentânea e que ingenuamente se pereniza, somada à vontade de buscar rendas mais protegidas do que as do mercado financeiro - ou de buscar rendas mais vantajosas do que as do mercado financeiro quando os juros caem - são impulsionadores de demanda. O freio à emoção, que faz o mercado aceitar preços mais altos como valor adequado, está no entendimento de que cenários de aluguéis crescentes são vinculados em grande parte a desajustes de oferta, que se desfazem adiante, voltando os aluguéis ao patamar de origem.

Um impulsionador de demanda totalmente artificial também se instala nessas circunstâncias: "já que o preço é pago durante a construção e os preços vêm subindo, logo permanecerão subindo!, por que não comprar para revender dentro da curva de subida (especulação de preços)?". Isso pode gerar grandes ganhos especulativos! Quando parte da demanda é artificial (o especulador), o risco do mercado cresce muito, porque demanda artificial é lida como "demanda sem adjetivos" e é verificada somada à demanda orgânica.

Quanto mais anúncios aparecerem na mídia de "100% vendido no lançamento", mais se aguça o impulso especulativo. A informação de vendas mostra liquidez, mas não mostra para que tipo de demanda: orgânica, na qual o investidor busca um produto para renda de longo prazo, mesmo valorando inadequadamente; ou a artificial, quando o especulador entra para sair o mais rápido possível. Nota: a crise do mercado imobiliário americano, ainda não resolvida, teve origem na geração artificial de demanda, colocando no mercado famílias que não tinham capacidade de compra, mas foi, em muito, recrudescida pelos especuladores que compraram para revender.

Evidências da ocorrência de bolha

9. Usando a figura 4 como extensão da figura 3, não é razoável imaginar que, por meio de indicadores de comportamento do mercado, seja possível projetar o pico da curva de crescimento de aluguéis (ponto G), ou o comportamento dos aluguéis adiante (ciclo de depressão).

Isso significa que não é razoável pretender que se diga: "estamos numa bolha". O que é possível é indicar que ocorreu uma bolha, que, lamentavelmente, só serve para demonstrar distorções, mas não para advertir que existe uma crise, cujo perdedor será sempre o mercado, acompanhado de alguns especuladores.

Todavia há como perceber se a curva de crescimento de aluguéis verificada (antes da conjuntura I) tem como fundamento o crescimento dos componentes do preço (terreno + construção), ou se ela resulta da exploração de uma condição de desequilíbrio de mercado em favor da pequena oferta disponível. Se não há razões para sustentar uma expectativa de crescimento econômico que leve à ocupação dos espaços dos empreendimentos ofertados na conjuntura I, ocupação que ocorrerá em II é inevitável que a depressão venha a suceder a conjuntura I, com prejuízo da renda dos investidores que embarcaram na estratégia de transformar suas poupanças em produtos do real estate que se aproveitam do viés especulativo evidenciado.

Sob esse conjunto de premissas e conceitos, convido o leitor a refletir, seja ele investidor ou empreendedor, para analisar se os preços e a intensidade da oferta desses produtos estão inadequados e se existe a tendência de que tenhamos um ciclo depressivo adiante. A reflexão os leva a concluir que estamos mergulhados no que se denomina bolha?


* Texto originalmente publicado na Carta do Núcleo de Real Estate da Poli-USP de dezembro de 2010 por Prof. Dr. João da Rocha Lima Jr. é professor titular de Real Estate da Poli-USP e coordenador do NREPoli (Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo)

A seguir, três especialistas de diferentes setores ensinam os principais cuidados que todo comprador deve tomar antes, durante e depois do processo de compra de um imóvel na planta:


1 - Defina seus critérios: Antes de começar a peregrinação pelos estandes das incorporadoras, lembre-se que a compra de um imóvel na planta é uma transação de longo prazo. É um tipo de negócio que sempre requer muita análise prévia sobre suas necessidades e realidade financeira nos próximos anos. "A pessoa deve se perguntar qual é o tamanho da prestação que cabe no bolso e qual é a necessidade da família. Quando isso estiver claro, você está pronto para procurar o imóvel adequado para seu perfil", afirma João Crestana, presidente do Secovi-SP, o sindicato da habitação. De acordo com ele, esse simples "cálculo" é suficiente para manter o comprador longe de fechar contratos por impulso.


2 - Bisbilhote o passado da construtora: "Para escapar de problemas, firme contratos com incorporadoras que tenham uma boa reputação no mercado", diz Octávio Galvão Neto, coordenador da Câmara de Avaliação do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de São Paulo (IBAPE/SP). Não é possível chegar a conclusões concretas sobre a idoneidade da empresa com apenas algumas conversas com o corretor imobiliário no estande de vendas. Segundo especialistas, a primeira estratégia pra se prevenir de eventuais dores de cabeça com empreendimentos imobiliários é analisar o histórico da construtora. E isso demanda muita sola de sapato. É comum, por exemplo, que alguns prédios apresentem vícios na construção, como fissuras, infiltrações e outras deficiências resultantes de um mau planejamento arquitetônico - ou mesmo do uso de materiais de construção de baixa qualidade. Prever esse tipo de problema, contudo, é praticamente impossível. Por isso, aconselha Galvão, uma visita a outros lançamentos da construtora é indispensável. "Os problemas tendem a se repetir", diz. Assim, a dica é investigar com os moradores sobre possíveis atrasos na obra, problemas de infraestrutura e descumprimento de promessas. Verifique também se a empresa tem pendências na Justiça ou reclamações na Fundação Procon. Para conferir se a administradora pisou na bola com outros clientes, consulte a lista de reclamações no site do Procon.


3 - Atenção aos documentos: Para não cair em golpes, peça sempre uma cópia do memorial de incorporação da obra. Se o corretor disser que a construção ainda não possui, então nem continue a conversa. "É crime levantar um empreendimento sem estes documentos", diz Crestana, do Secovi. A lei 4591, de 1964, determina que, antes de iniciar qualquer negociação imobiliária, as incorporadoras devem registrar no cartório de imóveis um conjunto de quinze documentos. Entre eles estão a prova da propriedade do terreno, o projeto de construção aprovado pela prefeitura, o cálculo exato da área do imóvel e a descrição do acabamento e material utilizado na construção. "No memorial, tudo é descrito de maneira bem minuciosa. É preciso prestar muita atenção nesses itens", afirma Patrcia Ferraz, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg-SP). Isso porque é muito fácil se encantar com a decoração dos apartamentos em exposição ou com as promessas dos corretores. No entanto, apenas o memorial de incorporação oferece uma dimensão concreta do imóvel que está sendo comprado.


4 - Visite a obra pessoalmente: Não visitar o local de construção da obra é um dos piores erros de quem está negociando um imóvel na planta. É comum que os estandes de vendas das construtoras fiquem em locais mais movimentados, como shopping centers. Muita gente opta pelo mais cômodo e confia apenas na descrição do imóvel feita pelos corretores. O conforto, no entanto, pode virar um pesadelo quando as chaves forem entregues. "Recentemente, vistoriei um empreendimento localizado em uma rua com problema de drenagem. Chovia e a água subia quase um metro", conta Galvão Neto. Ou seja, se os futuros condôminos deste novo prédio não tiverem a precaução de conversar com os moradores da região, poderão ter uma surpresa todas as vezes que nuvens negras se formarem no céu. Bancar o detetive para apurar questões como a infraestrutura urbana, os serviços de água e esgoto e até a presença de feiras ou festas na rua é essencial. Um bom passeio pela vizinhança pode garantir também um esboço sobre a média do IPTU e das taxas condominiais da região. Por outro lado, caso você feche o contrato fora do estabelecimento comercial, o Código de Defesa do Consumidor dá o direito de desistir da compra num período de sete dias. Mas sempre vale a pena checar tudo antes de assinar o contrato.


5 - Não subestime a maquete: Por mais bonita que seja, a maquete não é mero objeto de decoração do estande de vendas. É, sim, o principal instrumento para sua tomada de decisão. Por isso, examine a composição de cada item e pergunte se o que está ali corresponde à realidade do futuro empreendimento. Assim, na hora de escolher o apartamento para comprar, guie-se pelas coordenadas da maquete. "Os apartamentos da face sul tem menor insolação, nos da face norte sempre bate mais sol", afirma o presidente do Secovi-SP. Verifique também para onde dá a vista de cada imóvel - esse tipo de questionamento pode influenciar o preço do apartamento e, no futuro, sua valorização.


6 - Tudo pode ser usado no tribunal: A prevenção é sempre uma ótima aliada para quem está adquirindo um imóvel na planta. Os especialistas recomendam que o comprador guarde todos os papeis ou registros escritos que lhe forem entregues por funcionários da administradora. Vale até folhetos promocionais e e-mails trocados com os corretores. "Tente fazer as perguntas sempre por escrito para ter uma garantia", diz Galvao Neto. Todo este material pode servir como prova caso haja algum abuso por parte da empresa. Não é regra, mas por cautela, vale registrar todo este arquivo no cartório de registro de titulos e documentos.


7 - Torne oficial: Ao fechar o compromisso de compra e venda do imóvel, muitas pessoas se esquecem de registrar o documento. No entanto, pelas leis brasileiras, a propriedade só é transferida após o registro da escritura no cartório de registro de imóveis. "Não basta verificar a vida da pessoa que está vendendo. Sem o registro, você não tem os direitos sobre a propriedade", afirma Patrícia Ferraz. Ela exemplifica com um caso em que a proprietária de um imóvel decidiu registrar a escritura em cartório apenas alguns anos após a compra. "Neste período, a pessoa que vendeu o imóvel ficou com débito na previdência e o patrimônio ficou indisponibilizado", diz. Por outro lado, se você registrar o contrato, a incorporadora será obrigada a pedir sua autorização para qualquer mudança no projeto inicial, por exemplo. Para evitar gastos em dobro no cartório, muita gente não recorre a esta conduta. No entanto, no estado de São Paulo, é possível pagar 30% do valor final do registro da escritura no registro do compromisso de compra e venda do imóvel. Os outros 70% podem ser pagos na hora de registrar a escritura.


8 - Consulte o tabelião: Neste processo, outra dica é firmar o contrato sempre com a assessoria jurídica de um tabelião. Boa parte das construtoras de imóveis tem parceria com advogados que fazem este serviço. No entanto, estima-se que a economia seja de 20% a 40% quando se estabelece uma escritura pública em vez de um contrato particular. Por não ter ligação com nenhuma das partes do acordo, a assessoria do tabelião para compor o contrato será mais imparcial e, por isso, menos arriscada para os compradores. Não são raros os casos de irregularidades neste tipo de contrato - que podem passar "despercebidas", dependendo da parceria do assessor jurídico com a incorporadora. Além disso, caso a construtora se torne inadimplente e não termine a obra, compradores que recorreram à escritura pública tornam-se automaticamente proprietários de parte do terreno onde o imóvel seria construído. Fato que garante maior segurança para a transação.


9 - Fique de olho na política de juros: Um abuso comum neste tipo de transação são os chamados juros no pé. Até a entrega das chaves, o comprador tem a garantia de que não precisará pagar juros. No entanto, assim que o imóvel fica pronto, a incorporadora passa a cobrar juros sobre todo o período financiado. Uma portaria de 2001 emitida pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça considera a prática irregular. No entanto, o assunto não é consensual entre os juristas. Há histórico de ações judiciais que deram ganho de causa para as construtoras que cobraram os juros. Para evitar problemas, recomenda-se criar uma cláusula no contrato que determine a rescisão ou devolução do dinheiro em casos como esse.


10 - Seja beneficiário do seguro: Fique atento aos contratos firmados com as companhias de seguro. Este tipo de acordo serve de garantia tanto para os casos de inadimplência do comprador quanto para irregularidades da administradora. Por isso, fique atento às clausulas que determinam quem é o beneficiário do contrato. Se for a incorporadora, em caso de atraso da obra, ela terá o direito de receber a indenização e ao comprador restará o prejuízo.


E finalmente, consulte um corretor de imóveis credenciado (como eu) de sua confiança.


Fonte: Portal Exame